Agosto, tarde de sol e calor seco em Brasília. A secretária anuncia que o Ministro está na linha.

– Doutor Tóffoli? É Gilmar. Tudo bem? Ótimo! Podemos conversar um instantinho? Como está sua agenda? Agora mesmo? Perfeito. Estou me deslocando até o seu gabinete. Até breve, então.

Cinco minutos depois:

– O Ministro lhe aguarda, Doutor. Vou anunciá-lo. Por favor, me acompanhe. Já lhe sirvo um café com adoçante, conforme sua secretária me deu a dica e água mineral com gás. Por favor…

A sala de pé direito alto abriga móveis de madeira escuros, pesados, bem como gostam os velhos juristas. A única coisa que destoava no vetusto ambiente era a juventude do Ministro Dias Tóffoli, ainda que com a cabeça já carente de fios de cabelo outrora abundantes.

– Ministro Gilmar, muito me honra sua presença, mas eu não ousaria demonstrar surpresa pelo tema que o impulsiona, ei que já o deduzo pelos acontecimentos da semana, disse Tóffoli conduzindo cordialmente o visitante à confortável poltrona de couro recém reformada num belo recanto menos protocolar do gabinete, de costas para a linda vista da Praça dos Três Poderes. "E sei também que o assunto é eleitoral e não afeito ao STF – não ainda, pelo menos…". Risos discretos.

Gilmar foi direto ao assunto:

– Pois é….vim lhe informar que, enquanto vice-presidente do TSE, na noite de ontem, enviei um despacho à Procuradoria Geral da República e à Polícia Federal indicando "potencial relevância criminal" e suspeita de uso de dinheiro desviado na Petrobras na campanha à reeleição da presidenta Dilma Rousseff. Pedi abertura de investigação porque acredito que há motivos para que seja aberta uma ação penal pública.

Tóffoli ouviu coçando a barba e deixou escapar:

– Pois o Edinho…quer dizer, o Ministro-Chefe de Comunicação Social da Presidência da República, Edinho Silva me ligou chateado. Eu disse a ele que iria conversar com o Ministro Mendes para ter mais detalhes.

Gilmar nem se surpreendeu com a intimidade:

– Olha, Ministro, não é por causa do PSDB, como vão alegar. Eu fui indicado pelo presidente FHC e o senhor pelo Lula e não é por isto que a gente vai ficar brigando pelos erros eventualmente cometidos por eles ou por qualquer outro presidente, certo?

– É claro que não, Ministro, claro que não, aquiesceu Tóffoli.

Mendes continuou:

– Eu sei que o Ministro Edinho alega que todos os recursos financeiros utilizados na campanha da presidente foram arrecadados de forma legal e lícita, que as contas de campanha da Presidenta Dilma foram aprovadas por unanimidade pelo TSE, com parecer favorável, do Procurador Eleitoral do Ministério Público Federal, após rigorosa auditoria e tudo o mais, mas é que tem gráfica lá que faturou milhões e que não existe, tem motorista que doou milhões e, fora isto, as alegações de depoentes da Lava-Jato que atestam que dinheiro desviado da Petrobras entrou na campanha. O tema caiu na imprensa, com nomes, valores, detalhes horripilantes que extrapolam a avaliação das contas pela equipe da Ministra Maria Thereza. A coisa tá muito feia e, a cada dia que passa, piora.

Tóffoli balança a cabeça, demonstrando desconforto com o tema, mas segundos após ouvir o relato do colega, sentenciou:

– Ministro Gilmar, eu fui indicado pelo Presidente Lula, mas tenho obrigações é para com o povo brasileiro, tanto quanto o Senhor. Devo minha obediência à Constituição da República e, dentro do TSE, meu trabalho é balizado pela norma eleitoral vigente, tanto quanto o Senhor. Assim como o senhor, eu sou Ministro do STF, do TSE e não de FHC, Lula ou Dilma. Portanto, em estando em posse de nossas prerrogativas, vamos adiante e, quem tiver de prestar informações ou contas, que o faça, concorda?

Mendes ficou atônito e balbuciou:

– É….é isto mesmo!

– Somos Ministros do STF e do TSE, certo, Doutor Mendes? Sabemos que esta investigação, ainda que rasa, irá arrancar Dilma e Temer da Presidência da República. Sabemos que não há como explicar tanto dinheiro sem origem, tanto pagamento sem autor, tanto impresso que não houve. Sabemos disto, não é mesmo?

– Sim, claro, perfeitamente…

– Tanto eu quanto o senhor, Doutor Gilmar, sabemos que não dá para sustentar mais as barbeiragens nem de um lado, nem de outro. Ainda se fosse uma coisinha aqui, outra ali, mas não…é todo dia, toda hora. Os meus ex-companheiros de partido já foram avisados que o próximo Ministro a ser empossado deverá ser escolhido dentre uma convenção de magos, de alquimistas, ou de milagreiros. Barroso, Teori e Fachin, tanto quanto eu, já avisaram que nem truques com baralho sabem fazer, quanto menos fazer desaparecer crimes, esvanecer delitos e outras magias mais complexas.

– É óbvio…perpassou os limites dos limites…, diz vacilante o Ministro Mendes.

Tóffoli, levantando-se e estendendo a mão a Mendes, encerra com chave de ouro:

– Vamos adiante, então. Obrigado por sua visita e nos vemos mais tarde no Pleno e, ainda mais adiante, em outras querelas, de outras gestões, de outros presidentes….

Eis um diálogo de ficção, mas que gostaríamos realmente tivesse acontecido… por Glauco Fonseca!